Mirando a neutralidade

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Mudou o ano, mas a política monetária brasileira segue na mesma trajetória de 2023, com o Copom cortando a taxa Selic em 0,5% em 31 de janeiro, mas apesar da semelhança, 2024 carrega diferenças significativas ao ano passado.

Após a inflação começar um movimento de desaceleração em 2022, apesar de seguir acima da meta, era claro que a política monetária estava muito restritiva, com a taxa Selic real ex-ante (Selic menos o IPCA esperado para os próximos 12 meses no boletim Focus) atingindo os maiores níveis desde 2016.

Entretanto, apesar de óbvia a missão do Copom, o objetivo não era fácil, pois implicava em reduzir a taxa Selic em uma conjuntura de inflação global elevada, de alta nas taxas de juros nos países desenvolvidos e elevadas incertezas sobre o compromisso fiscal do governo atual.

Sabemos como desenrolou a conjuntura em 2023 e o fato mais surpreendente foi a capacidade da economia brasileira (e global) reduzir a inflação sem grandes custos para a atividade econômica, contrariando não só a teoria econômica, como também, o consenso dos analistas de mercado em 2022.

Em realidade, as taxas de desemprego ao redor do globo fecharam 2023 próximas das mínimas históricas.

Os fatores por trás dessa ‘desinflação milagrosa’ serão fonte de discussão para os acadêmicos por muitos anos, mas algumas causas parecem ser consensuais: o processo de normalização das cadeias de produção e a caducante retomada chinesa, que resultaram em uma deflação relevante dos bens manufaturados; excessos de oferta de produtos agrícolas, com a safra recorde no Brasil derrubando a inflação de alimentos e beneficiando o crescimento e a balança comercial; a reancoragem das expectativas de inflação ao redor do globo, após forte descolamento em 2022, devido à alta das taxas de juros orquestrada pelos Bancos Centrais, contribuindo para arrefecer as expectativas de inflação à frente.

Onde a evidência é pouco clara é porque a inflação de serviços está bem-comportada diante de um mercado de trabalho aquecido e da rápida recuperação do consumo das famílias.

As razões parecem estar relacionadas à elevação da produtividade (movimento para o qual também sobram dúvidas), mas o que importa para a discussão de política monetária é se a inflação de serviços compensará as menores contribuições de alimentos e manufaturados em 2024.

Acreditamos que a continuidade da moderação na inflação de serviços é condição necessária para a reancoragem das expectativas de inflação à frente, movimento que deve definir a capacidade dos Bancos Centrais, especialmente o Copom, de cortar as taxas básicas de juros em 2024.

Não que a tarefa do Copom seja fácil este ano, mas acreditamos que vários fatores se moveram em direção mais construtiva para a continuidade da queda da Selic. No exterior, os Bancos Centrais desenvolvidos começam a sinalizar o início do ciclo de cortes de juros e o menor crescimento mundial deve arrefecer as pressões inflacionárias globais.

Por aqui, esperamos que o crescimento do PIB desacelere em 2024, para uma expansão de 1,4%, devido aos efeitos defasados da política monetária, uma política fiscal neutra e uma safra menor.

Esse desaquecimento deve manter a inflação de serviços em moderação, contribuindo para reduzir o IPCA de 2024 para 3,84%, segundo nossos cálculos.

A combinação de desinflação e desaceleração econômica devem resultar em uma postura mais acomodatícia do Copom. Em realidade, esperamos que o comitê reduza a taxa Selic para 9,0% este ano, aproximando-a dos níveis considerados neutros.

Em nossa visão, há dois grandes fatores de risco às projeções: a perspectiva fiscal local e o cenário geopolítico.

Na política fiscal, temos duas fontes de apreensão: uma nova expansão dos gastos do governo, o que pressionaria a capacidade ociosa local e elevaria as pressões inflacionárias sobre itens não comercializáveis (serviços, por exemplo), levando à uma desinflação mais lenta; outro receio é que sinalizações de falta de compromisso do governo com o ajuste fiscal podem levar os investidores a exigir maiores prêmios de risco nos ativos locais, principalmente no câmbio, o que elevaria os preços de insumos e bens importados, pressionando a parte comercializável da inflação.

Já no exterior, vivemos um contexto geopolítico mais conturbado, com conflitos potenciais em várias regiões do globo, especialmente no Oriente Médio, o que pode levar a novas pressões sob o preço do petróleo ou disrupções logísticas mais significativas, o que pausaria a desinflação global, contaminando também a queda de inflação doméstica.

Torçamos para desfechos benignos nesses dois fronts.

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