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Política Fiscal: Política econômica em tempos de crise

Written by Nova Futura | 08/04/2020 03:00:00

Na crise atual ocasionada pelo covid-19, muito se fala da atuação do governo para minimizar seus efeitos. Como resultado, em todo o mundo há discussões sobre propostas enviadas a instâncias legislativas sobre pacotes de alívio econômico. Assim, destacando que em momentos de catástrofe, independente da linha de pensamento que os governos sigam, é preciso a intervenção.

Mas quais são os mecanismos desses pacotes? Por que alguns governos ficam receosos ao fazê-lo? Existe algum impacto negativo gerado por tais políticas? Quando elas não são eficientes? Sendo assim, são essas questões que o texto de hoje, de forma resumida, tentará responder e explicar.

A influência dos mortos:

Nada que foi construído no mundo natural ou no mundo das ideias partiu do nada. Sempre há uma tradição que influencia os seres humanos em todas as áreas do conhecimento ao longo das gerações. Muitas vezes tais conhecimentos do passado são muito úteis, tendo em vista que em certa medida alguns eventos, apesar de cada um com sua peculiaridade, acaba por se repetir.

Acerca de tal raciocínio, o economista britânico John Maynard Keynes certa vez disse: “as ideias dos economistas e filósofos políticos, estejam elas certas ou erradas, são mais poderosas do que comumente se percebe. Com efeito, elas governam o mundo quase sozinhas. Homens práticos, que se acreditam isentos de qualquer influência intelectual, costumam ser escravos de algum economista defunto”. O raciocínio desse economista foram responsáveis para que muitos formuladores de políticas no passado, tomassem medidas parecidas com as quais estão sendo discutidas agora, para minimizar os efeitos da crise. Isto é, a expansão de gastos do governo, em outras palavras, a política fiscal.

Durante a Grande Recessão e o período pós-guerra, o economista propôs medidas aos governos para que os efeitos da crise fossem compensados. Até então, os economistas não pensavam em políticas de estímulo à demanda. Pois acreditavam que o mercado, mesmo no curto prazo, operava em seu equilíbrio, de modo que os preços estariam em seu nível, seu ponto ótimo e que a economia operava em pleno emprego, de maneira que um trabalhador só ficaria desempregado quando ele não aceitasse o salário do mercado, aguardando novas oportunidades.

Todavia, durante a crise o desemprego alcançara níveis alarmantes e, com o seu aumento, a renda das pessoas diminuía, gerando redução no consumo. A queda no consumo gerava baixa na demanda por bens e serviços, reduzindo de modo que os empresários não conseguissem passar o custo de produção para os preços. Assim, impactando na receita e nos lucros das firmas, gerando queda na produção e consequentemente no crescimento da economia.

Como solução, o economista inglês propôs que o governo deveria intervir na economia com políticas anticíclicas, isto é, aumento de gastos governamentais para contrabalancear os efeitos negativos advindos da crise, retomando a produção e o consumo. Segundo o economista, como havia fator de produção ocioso na economia, existia espaço para expandir a produção mediante a gastos governamentais.

Políticas análogas foram tomadas posteriormente pelos governos, na Crise de 2008-2009, com o mesmo objetivo de tomar medidas para contrabalancear os efeitos da crise.

Mecanismos da política fiscal de curto prazo:

Na verdade, existem dois lados da política fiscal. A política fiscal expansionista e política fiscal contracionista. O nome é bem sugestivo, quando o governo busca aumentar os seus gastos, o que é feito é a política fiscal expansionista, quando ele diminui os gastos, se trata da política fiscal contracionista.

O que os governos estão fazendo atualmente, para minimizar os efeitos decorrentes do Coronavírus, são políticas de aumento dos gastos. Teoricamente, tudo que a economia produz é dado por uma equação muito simples:

Onde:

Y = PIB

C = consumo das famílias

I = Investimento

G = Gastos do governo

X = Exportações

M = Importações

Algumas das variáveis acima, possuem relação direta com a renda ao expandirmos:


Onde:

C0 = consumo autônomo, isto é, o consumo que o agente possui independente de aumento na renda, como consumo com alimentação, água e vestuário.

c = propensão marginal a consumir. A tendência que o agente possui para consumir dado o aumento da renda disponível. Quando as pessoas possuem pouca renda, elas tendem a ter maior propensão marginal a consumir.

(Y – T) = Yd = renda disponível

M0 = Importações autônomas. São as importações mínimas que a economia precisa, como alimentos.

mY = as importações que dependem do aumento da renda. Quando a renda, o PIB, da economia cresce há mais agentes importando produtos como computadores, celulares, roupas e perfumes.

Quando há gasto governamental, via orçamento público, como por exemplo, o US$ 1,5 Bilhão anunciado em fevereiro pelo presidente dos Estados Unidos Donald Trump, muitas pessoas são empregadas, o que gera aumento no consumo. Assim, elevando a demanda pelos produtos e serviços da economia, fazendo com que os empregadores voltem a contratar e a produzir, de modo que tal efeito aumente a renda.

Então, como as variáveis consumo e importações dependem da renda (PIB), essas tendem a se elevar. Apesar das importações terem um impacto negativo na renda, muitos produtos são necessários para produção na economia, como os produtos importados pela Magazine Luiza e Via Varejo. Para serem vendidos no varejo ou por exemplo, as peças para produção dos computadores da Itautec que são importadas. O aumento na renda facilita a importação de tais produtos.

Outro fator a ser levado em consideração é que tal modelo (fórmula) se refere a apenas uma simplificação da realidade, que ajuda a entender o funcionamento do impacto dos gastos governamentais.

Apesar de tais políticas serem focadas no curto prazo, gastos em infraestrutura geram benefícios no longo prazo, dado que a infraestrutura estimula outros setores produtivos da economia.

Contudo, há outros mecanismos de política fiscal que podem ser realizados, como a diminuição de impostos ou subsídio. Para o momento atual, o governo pode usar tais mecanismos para o corte de impostos incididos sobre remédios e materiais médicos ou gerar mecanismos de subsídio para produção de determinados bens como equipamentos médicos e máscaras.

Já o subsídio é um “desimposto”, que é uma espécie de benefício disponibilizada pelo governo, para os produtores realizarem a produção ou para que os agentes consumam determinado bem. O problema dessa política de forma generalizada, é que toda a sociedade paga pelo mesmo, tal como no caso da incidência de impostos. Com todos pagando por tais intervenções, a economia pode ter perda de riqueza, gerando o que os economistas chamam de peso-morto, isto é, o excedente de riqueza dos agentes econômicos são perdidos.

No entanto, essas intervenções podem ser benéficas para economia. No caso da crise atual, os subsídios podem facilitar o acesso de muitas pessoas aos remédios e meios de prevenção contra a pandemia, além de beneficiar e fortalecer o sistema de saúde.

Restrições, resistência e custos da política fiscal:

Apesar dos benefícios oriundos da política fiscal, ela também possui impactos negativos. Por isso, muitos formuladores de política ficam receosos ao fazê-la com mais preponderância, mesmo em momentos de crise como os atuais.

Como foi dito anteriormente, a política fiscal é feita a partir do orçamento do governo, o qual, em sua versão simplificada se dá pela equação abaixo:

Onde:

O = orçamento do governo

T = Tributação

G = Gastos do governo

Levando em conta uma tributação que depende da renda dado por:

Como as perspectivas atuais são de forte desaceleração da renda, o governo terá déficit. Levando em consideração que muitos presidentes foram eleitos com o objetivo de diminuir o peso do orçamento do governo, isto é o déficit, a situação atual gera resistência, tendo em vista que o governo foi todo aparelhado para restringir os gastos e não aumentá-los.

O aumento do déficit público gera efeito direto no aumento do endividamento do país, o que fortalece o risco percebido por parte dos agentes, de modo que ocorra fuga de capitais de países com o maior nível de risco e aumento das taxas de juros de longo prazo.

Assim, para arcar com esse desequilíbrio no orçamento do governo, quando a cobrança de impostos não é uma alternativa viável, o principal mecanismo para arcar com o saldo negativo (déficit) é a dívida.

Tais saldos negativos serão financiados por meio de empréstimos junto ao mercado. Sendo eles, títulos que o governo emite com agentes privados como credores e o governo como devedor, de modo que esses agentes possuem a promessa de pagamento de uma remuneração (juros pré ou pós-fixados) sobre o valor aplicado.

Apesar da palavra “dívida” não trazer boas recordações para a maioria das pessoas, o endividamento não necessariamente é algo ruim, pois o problema mais relacionaod a qualidade e nível de sustentabilidade da dívida.

Quando o mercado aceita financiar a dívida de um país a níveis de taxa de juros baixas, significa que esporádicas variações na receita do governo podem ser compensadas por maior endividamento. Todavia, é preciso que as autoridades mostrem que a dívida será estabilizada.

A estabilidade da dívida pode ser expressa pela seguinte equação:

Onde:


Para que haja estabilidade, v precisa ser igual a zero. Assim, é possível encontrar o nível de déficit ou superávit primário que torne o indicador estável.

Países com taxa de juros demasiadamente elevadas possuem problemas de sustentabilidade da dívida pública. Um exemplo de país com alto endividamento é o Japão. Contudo, a economia japonesa é um porto seguro, de modo que os agentes inclusive pagam pela segurança dos títulos japoneses.

Um país que é exemplo de estabilidade das contas públicas é a Alemanha, tendo em vista que a própria instituição do país impede aumento dos gastos públicos.   

Caso brasileiro:

Após o período de consolidação fiscal ocorrido entre 1998 e 2007, devido aos elevados encargos impostos aos governos estaduais para o pagamento de suas dívidas do ajuste fiscal ocorrido entre 2004 e 2007 e o aumento do dinamismo econômico, contribuindo para elevação da receita, a crise financeira de 2008-2009 gerou redução no crescimento econômico, e por consequência declínio da melhora nas contas públicas.

A deterioração das contas públicas se aprofundara ainda mais com menor dinamismo das receitas após 2012, com queda oriunda da diminuição do dinamismo da economia e crescimento paulatino nas despesas com o objetivo de financiar programas sociais.  

Assim, o caso brasileiro é delicado, pois apesar do estímulo fiscal ser necessário nesse momento, o presidente do país foi eleito com o comprometimento de reduzir o tamanho do governo ou do estado. Por intermédio de reformas e diminuição de gastos, dando continuidade ao que foi feito por de Michel Temer, para conter os gastos e fazer com que o país tenha novamente saúde fiscal, conforme pode ser observado no gráfico da dívida líquida do setor público em % do PIB:

Como o exposto no gráfico, a partir do final de 2018 houve desaceleração na velocidade do endividamento do setor público brasileiro e no fim de 2019, o indicador começou a cair.

Contudo, o advento do covid-19 fez com que o governo tivesse de mudar totalmente a sua estratégia e foco, saindo de políticas de Estado mínimo e começando a aumentar os gastos em paralelo com as políticas de isolamento social.

Outro fator levado em conta no que diz respeito ao Brasil é que o país é subdesenvolvido. Então, o risco percebido e a capacidade de pagar sua dívida é muito menor em relação aos países desenvolvidos, que possuem baixo risco soberano, tendo maior capacidade de pagamento de seus compromissos.

Entre esses fatores se destacam:

  • Menor risco político: por maior estabilidade das instituição, transparência, segurança pública e risco geopolítico.
  • Melhor estrutura econômica: melhores condições de desenvolvimento da economia do mercado, menor desigualdade de renda e eficiência do setor público.
  • Melhores perspectivas de crescimento econômico: país com possiblidade de poupança e investimento.
  • Flexibilidade monetária: eficiência da política monetária.
  • Boa liquidez externa: níveis suficientes de reservas e fluxo de capital.

Tendo em vista que todas as variáveis acima em países subdesenvolvidos, como o Brasil, são inferiores. O risco percebido em relação ao país aumenta com a expansão dos gastos públicos.

Isso pode ser evidenciado com o aumento na taxa de juros longa do país, a taxa de juros futura para 2027 (DI1F27):

Conforme o gráfico acima, a partir de fevereiro, começo da expansão do covid-19 no ocidente, a taxa de juros longa começou a subir, após cair paulatinamente nos meses anteriores. Assim, traduzindo as expectativas de aumento de gastos e por consequência, endividamento do país.

Todavia, os gastos em meio à crise atual são necessários para minimizar os impactos gerados na economia. Tendo em vista que as políticas de isolamento social são as que vem apresentando maior sucesso para a restrição no contágio da doença, a economia ficará parada e é a política fiscal uma das principais armas que o governo pode utilizar no momento.

Claro que a situação para o Brasil é mais complicada em relação aos países desenvolvidos, tendo em vista o espaço fiscal para tais medidas. Contudo, em uma guerra, mesmo que contra um inimigo invisível, os sacrifícios econômicos se fazem necessários.

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